O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição neurodesenvolvimental caracterizada por déficits na comunicação social e comportamentos repetitivos. A etiologia do TEA é multifatorial, envolvendo uma complexa interação entre fatores genéticos e ambientais. Estudos recentes sugerem que a suplementação de ácido fólico durante a gravidez pode estar associada a uma redução no risco de desenvolver TEA. Este artigo revisa as evidências científicas sobre o papel do ácido fólico na prevenção do autismo, explorando mecanismos biológicos e resultados de estudos epidemiológicos.
Importância do Ácido Fólico na Gravidez
O ácido fólico, uma forma sintética da vitamina B9, é essencial para a síntese, reparo e metilação do DNA, processos cruciais durante a rápida divisão celular que ocorre no desenvolvimento fetal. A deficiência de ácido fólico tem sido associada a defeitos do tubo neural e outras malformações congênitas (Czeizel, 1998). Devido à sua importância, muitos países recomendam a suplementação de ácido fólico para mulheres em idade fértil e durante a gravidez.
Mecanismos Biológicos Potenciais
A relação entre ácido fólico e TEA pode ser mediada por vários mecanismos biológicos. A metilação do DNA, que é crucial para a regulação da expressão gênica durante o desenvolvimento do cérebro, depende de folatos. A deficiência de folato pode levar a alterações epigenéticas que afetam o desenvolvimento neurológico (Schmidt et al., 2011). Além disso, o ácido fólico desempenha um papel na redução dos níveis de homocisteína, um aminoácido que, em níveis elevados, está associado a disfunção vascular e danos oxidativos, ambos potencialmente prejudiciais ao desenvolvimento fetal (Roffman, 2014).
Evidências Epidemiológicas
Vários estudos epidemiológicos têm investigado a associação entre suplementação de ácido fólico e risco de TEA. Schmidt et al. (2012) realizaram um estudo caso-controle e encontraram que mães que tomaram suplementos de ácido fólico durante o primeiro mês de gravidez tiveram um risco significativamente menor de ter filhos com TEA. Este estudo foi corroborado por outras pesquisas, incluindo um estudo de coorte realizado na Noruega, que encontrou uma redução de 39% no risco de TEA entre crianças cujas mães tomaram suplementos de ácido fólico durante o período pré-concepcional e nas primeiras semanas de gestação (Suren et al., 2013).
Resultados Contraditórios e Limitações
Apesar das evidências promissoras, alguns estudos não encontraram uma associação significativa entre a suplementação de ácido fólico e a redução do risco de TEA. Uma análise realizada por Raghavan et al. (2018) não encontrou uma redução consistente no risco de TEA com a suplementação de ácido fólico após ajuste para fatores de confusão. As divergências entre os estudos podem ser atribuídas a diferenças metodológicas, incluindo a variação nas dosagens de suplementação, períodos de exposição e a precisão na avaliação do uso de suplementos.
Considerações Genéticas
A genética também pode desempenhar um papel na modulação da eficácia do ácido fólico na prevenção do TEA. Polimorfismos nos genes envolvidos no metabolismo do folato, como MTHFR, podem influenciar a eficácia da suplementação (O’Leary et al., 2018). Mulheres com variantes genéticas que resultam em menor atividade enzimática de MTHFR podem ter uma maior necessidade de ácido fólico e, portanto, podem beneficiar-se mais da suplementação.
Impacto do Tempo de Suplementação
A janela de suplementação de ácido fólico pode ser crucial na redução do risco de TEA. Estudos sugerem que a suplementação durante o período pré-concepcional e nas primeiras semanas de gestação é particularmente benéfica. O tubo neural do feto se forma nas primeiras quatro semanas de gestação, um período em que muitas mulheres ainda não sabem que estão grávidas. Portanto, a suplementação antes da concepção e durante as primeiras semanas é essencial (Czeizel, 1998).
Recomendações Clínicas
Dadas as evidências, é prudente que mulheres em idade fértil e durante a gravidez sigam as recomendações de suplementação de ácido fólico. As diretrizes atuais da Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam uma dose diária de 400 microgramas de ácido fólico para todas as mulheres que planejam engravidar e durante as primeiras 12 semanas de gestação (OMS, 2016). A adesão a essas recomendações pode não apenas reduzir o risco de defeitos do tubo neural, mas também potencialmente diminuir o risco de TEA, conforme sugerido por estudos recentes.
Estudos Futuramente Necessários
Embora as evidências até o momento sejam promissoras, há necessidade de mais pesquisas para esclarecer completamente a relação entre ácido fólico e TEA. Estudos futuros devem focar em ensaios clínicos randomizados, que são o padrão-ouro para estabelecer relações causais. Além disso, investigações sobre como diferentes dosagens e formas de ácido fólico, bem como a interação com outros micronutrientes, podem influenciar o risco de TEA são necessárias.
Conclusão
A suplementação de ácido fólico durante a gravidez apresenta um potencial significativo para a redução do risco de transtorno do espectro autista. Estudos epidemiológicos sugerem que a suplementação, especialmente durante o período pré-concepcional e as primeiras semanas de gestação, pode reduzir o risco de TEA. Mecanismos biológicos subjacentes, como a metilação do DNA e a redução da homocisteína, apoiam esta associação. No entanto, são necessários mais estudos para confirmar esses achados e esclarecer as melhores práticas para a suplementação de ácido fólico. As recomendações atuais de suplementação de ácido fólico devem ser seguidas para promover a saúde materna e fetal.
Referências
- Czeizel, A. E. (1998). Periconceptional folic acid containing multivitamin supplementation. European Journal of Obstetrics & Gynecology and Reproductive Biology, 78(2), 151-161.
- Schmidt, R. J., et al. (2011). Prenatal vitamins, one-carbon metabolism gene variants, and risk for autism. Epidemiology, 22(4), 476-485.
- Schmidt, R. J., et al. (2012). Maternal periconceptional folic acid intake and risk of autism spectrum disorders and developmental delay in the CHARGE (Childhood Autism Risks from Genetics and Environment) case-control study. American Journal of Clinical Nutrition, 96(1), 80-89.
- Suren, P., et al. (2013). Association between maternal use of folic acid supplements and risk of autism spectrum disorders in children. JAMA, 309(6), 570-577.
- Raghavan, R., et al. (2018). Maternal Multivitamin Intake, Plasma Folate and Vitamin B12 Levels and Autism Spectrum Disorder Risk in Offspring. Paediatric and Perinatal Epidemiology, 32(1), 100-111.
- Roffman, J. L. (2014). Neuroprotective effects of folic acid. Trends in Neurosciences, 37(1), 1-9.
- O’Leary, C. A., et al. (2018). The interaction between MTHFR genotype and folate intake on risk of autism spectrum disorder. Frontiers in Neuroscience, 12, 660.
- Organização Mundial da Saúde (OMS). (2016). WHO recommendations on antenatal care for a positive pregnancy experience. Geneva: World Health Organization.